Dia 14 de
dezembro, final do ano de 2015, o movimento social do Rio de Janeiro perdeu um
dos seus maiores iônicos personagens; Sérgio Luiz Santos das Dores. Faleceu na
sala vermelha da UTI após uma infecção que se tornou generalizada. Integrante
de todas as ocupações de rua da Cinelândia centro do Rio nos últimos vinte
anos. Era pensionista federal do IBGE, entretanto vivia nas ruas em condições
precárias. Era também um conhecido frequentador do restaurante Amarelinho em
dias de chuva, desde o início dos anos 90, e vivia nas ruas por cerca de 30
anos após se aposentar por invalidez. Essa informação era desconhecida e ele
jamais recebeu o valor de cerca de 5.600$ de sua pensão, sobrevivendo de uma
simples aposentadoria no INSS.
Participou da
ocupação "Mata Mosquito" ocorrida na Cinelândia no segundo governo de
FHC em 1999, realizada por trabalhadores da SUCAM. Os guerreiros e apoiadores,
dentre eles o Presidente, ficaram na Praça da Cinelândia por mais de um ano
após serem demitidos no segundo governo de FHC. Ao fim da luta política,
conseguiram a readmissão numa inesquecível vitória do movimento popular. Naquele
momento, o Presidente - que ainda era chamado de Serginho por seus colegas de
sindicato do IBGE - demonstrava sua inteligência e autoridade moral. Sempre
respeitado pelos ocupantes, ganhou o carinho de todos e passou a ser um membro
contínuo e efetivo da mobilização. Participou
também no Ocupa Rio e nos Movimentos pré - Jornada de Junho, fato que lhe deu
notoriedade política. "Ocupa Rio", foi uma mobilização dos movimentos
autônomos cariocas em 2011. A partir daí essa figura do povo passou a andar com
jovens ativistas que lutavam por causas muito além das defendidas pelo espectro
político - partidário da sociedade fluminense.
Durante o
Ocupa Rio que Sérgio passou a ser chamado de Presidente por causa de suas
contundentes e divertidas falas com sua voz fanha e charmosa nas Assembléias do
movimento. Mesmo vivendo de forma precária e sendo vítima de preconceito e
violência por parte dos agentes do Estado, ele não fraquejou em sua luta pelas
causas pré-junho. Esteve presente nos atos de apoio a Aldeia Maracanã na
Cinelândia, deu depoimentos para os vídeos do cineastra e repórter do Jornal A
Nova Democracia, Patrick Granja e também teve presença no importante evento
"Ocupa dos Povos", das nações americanas originárias na área central
da cidade. A desocupação da Aldeia Maracanã, a implantação das UPP's, as
remoções para as obras do governo sem remuneração ou consideração para os moradores
moradores periféricos, o sumiço do pedreiro preto Amarildo pela PMRJ e outros
diversos fatores que levaram o povo a uma situação de extrema carestia.
Desse cenário
distópico surgiram vários processos de resistência que desaguaram nas ocupações
do espaço urbano . O Ocupa Cabral em frente a casa do ex-governador e o Ocupa
Câmara que mais se destacaram. Nos acontecimentos da Cinelândia o Presidente
teve papel de destaque. Desde a primeira tentativa de ocupação, ele aguarda do
lado de fora, e no meio da madrugada em que houve a expulsão, ele estava lá
participando ativamente, disponibilizando seu companheirismo e ombro amigo para
cada ativista retirado da "casa do povo". Mais a frente se tornou um
resiliente, divertido e inspirador companheiro nos dias e noites do Ocupa
Câmara, criador de uma série de bordões. Esteve presente nas manifestações
estudantis contra a restrição da meia entrada aprovada esse ano pela UBES.
Sempre foi amigo dos estudantes, presente nos atos com seu espírito jovem e
combativo, bem humorado e disposto.
Teve
participações artísticas nos diversos coletivos independentes que surgiram pelo
Ocupa Câmara, inicialmente repetindo nos vídeos de mídia ativista seu famoso
jargão "Quer uma palavra de consolo? Foda-se a Copa!". Durante as
jornadas dos professores em outubro participou de trabalhos com o Coletivo
Mariachi. Daí em diante, atuou no coletivo Baratox em performances na Câmara,
em sessões de fotos e intervenções no Atelier de Dissidências Criativas da Casa
Nuvem, culminado com seu lindo desempenho no vídeo da festa de natal do Ocupa
Câmara (destruído dois meses antes) "Mais Amor, Menos Capital". Nesse
trabalho dirigido por Deo Luiz, ele se fantasiou de Penélope Charmosa, num
claro apoio a comunidade LGBT, e também representou o personagem Phoder
Público, uma paródia em cima de
políticos tupiniquins.
Nos últimos
dias desse grande revolucionário, ele dormia na casa de ativistas ou mesmo no
espaço coletivo da Casa Nuvem, porém só ficava dois ou três dias, sempre
voltava por vontade própria para a dureza de viver na Cinelândia. Acabava sendo
constantemente reprimido pelos manganos do Lapa Presente e outras aberrações
repressoras do Estado, como os agentes da Secretária de Ordem Pública e da
Secretaria de Serviço Social . A dura vida na rua e os anos de juventude bem
vívidos cobraram um preço alto desse grande homem. Ao passar mal e ser levado
pelo Samu para o UPA onde foi inicialmente mal atendido, fato que mudou após a
pressão de um grupo de ativistas, Comandante legítimo da Cinelândia, herói do
movimento carioca e irmão mais velho de todos não resistiu, deixando órfãos
toda uma geração de jovens artistas, estudantes e militantes da causa popular.
Seu velório ocorreu dia 16/12/2015 na Câmara Municipal do Rio, na Cinelândia às
9hs da manhã.
Foi uma honra
pra AERJ ter convivido com esse grande revolucionário, que deu apoio não só ao
Movimento Estudantil, mas a todas as bandeiras populares que estiveram nas ruas
contra o Capital e as incontáveis repressões do Estado sobre a população fluminense.
Viveu até os últimos dias de vida sem desacreditar em mudanças e melhorias
através da luta.
"Uma incelença entrou no paraíso,
Uma incelença entrou
no paraíso,
Adeus! Irmão adeus,
até o dia de juízo.
Adeus! Irmão adeus, até o dia de juízo"
(Suíte dos Pescadores - Dorival Caymmi)
Texto: André Miguéis
Colaboração: Carlos Augusto Lima França, Drica Queiroz e
Raffaella Moreira
Revisão: Roger Mcnaugth
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